No fim da década de 80, quando entrei para a Universidade no curso de Administração de Empresas, a maioria dos meus colegas de classe (e eu incluído) queria passar em concurso público ou entrar em uma grande empresa, de preferência multinacional. Havia hiperinflação, poucas oportunidades e muita incerteza sobre o nosso futuro. Empreender não era um sonho.
Além disso, crescemos em um país onde muito pouco se falava em empreendedorismo. Tudo o que queríamos era trabalhar duro, mas dentro de uma longa e tranquila estrada reta e de uma só mão rumo ao futuro. No meu caso sonhava em atuar na área financeira e morar em um loft em um grande centro urbano.
Muitos de nós conseguimos isso: quando estava no segundo ano de faculdade com 21 anos de idade eu (e mais cerca de uma dúzia de colegas) passamos em um concurso público de um prestigiado banco público.
Onze anos depois, após trabalhar em diversas áreas, saí de lá e fui trabalhar em uma empresa de design gráfico especializada em gestão de marcas, onde aprendi sobre marketing e branding, ajudei a criar a conceituação e o posicionamento de marcas, produtos e serviços de pequenas e médias empresas.
Seis anos depois voltei ao mercado financeiro, agora no segmento de risco e crédito, área onde permaneci pouco mais de 12 anos e trabalhei em duas multinacionais.
Até que em dezembro de 2018, aos 50 anos de idade, deixei um bom emprego e carreira estável na área que sonhava nos tempos de faculdade para iniciar não um, mas dois negócios próprios (nas áreas de consultoria e de fotografia), junto com minha esposa, que tem a mesma faixa etária e também passou a maior parte da vida profissional trabalhando na área administrativa de grandes empresas nacionais e multinacionais.
Mas... No meio dessa crise? Loucura? Não sabe o que quer? Ingratidão?
Nada disso. Na verdade, sou grato aos meus empregadores passados. Aprendi muito (mesmo) trabalhando para cada um deles. Tinha ótimo relacionamento nas empresas e fiz cada uma das minhas transições deixando amigos pelo caminho e não apenas colegas de trabalho. Mas então por que arriscar e tentar algo novo aos 50? Justamente em um período de crise?
A verdade é que, queiramos ou não, riscos e crises sempre existiram no Brasil, mesmo no setor público (veja os fundos de pensão de muitas estatais e o não recebimento de salários em dia dos servidores em diversos Estados). Já passamos por muitas crises, não é a primeira e não será a última. Acostume-se. Muita gente que montou negócios no meio desses anos de crise prosperou, enquanto outros quebraram e recomeçaram em outra atividade. Isso faz parte do jogo de empreender ou de se começar em outra profissão do zero. Planejar-se para realizar um projeto é uma coisa, mas aguardar o momento perfeito para realizá-lo pode fazer com que você nunca o tire do papel.
A vida profissional não é uma estrada reta e sem buracos da formatura até a aposentadoria. Nem nossas aspirações. As pessoas mudam de interesses ao longo da vida e não é porque você se formou em uma coisa, aprendeu muito sobre ela, tornou-se um expert e está bem estabelecido profissionalmente em uma área, que precisa permanecer nessa profissão pelo resto da vida ou então desenvolver apenas essa única atividade, permanecer nessa ou naquela cidade ou país.
Mudanças são apenas parte da vida e de seus ciclos.
Há diversos exemplos de pessoas que se formaram em algo e seguiram outro caminho: Sebastião Salgado se formou em Economia antes de seguir pela Fotografia. Moacyr Scliar foi famoso como escritor, mas passou a vida toda trabalhando como médico sanitarista. Uma atividade não impediu a outra. Há engenheiros que viraram chefs de cozinha e donos de restaurante (André Falcão). Li sobre um biomédico paulista, chamado Claudio Taccetti Filho, que largou a profissão após 18 anos de trabalho para ser cabeleireiro e maquiador...
A lista é enorme e isso não significa que as pessoas são inconstantes e não sabem o que querem.
A verdade é que o ser humano é inquieto por natureza e a maioria de nós quer experimentar coisas novas, tentar novos caminhos. A maioria das pessoas possui diversos interesses ao longo da vida. E não há nada de errado nisso. Mudar a posição das velas para aproveitar novos ventos não é ingratidão com os passos dados e as escolhas feitas no passado (e que nos trouxeram ao ponto onde estamos hoje).
Mudanças são apenas parte da vida e de seus ciclos.
E, francamente, no fundo aprendemos com o passar dos anos que os sonhos que tínhamos quando jovens não permanecem necessariamente conosco por toda a vida à medida que amadurecermos como pessoas.
E são os sonhos que nos movem ao longo do caminho. Como disse Ettore Bugatti (fundador da marca automotiva Bugatti) em uma frase famosa: “Aos sonhos não importa o preço”. Por isso eles nos motivam tanto.
E por falar nisso... Sabe aquele loft? Hoje virou um tranquilo sítio com um belo jardim cercado de flores, um pequeno pomar e uma acolhedora casa rústica com fogão a lenha. Assim é a vida...
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